segunda-feira, 22 de junho de 2009

Notícia-mercadoria

Não causa mais surpresa ou espanto em qualquer telespectador dos jornais da Globo, e eventualmente de outros canais, a abordagem completamente insensível dos repórteres dos principais noticiários. Seja em casos de perda de residência, de morte na família, de acidentes, já virou comum a publicação de reportagens em que a vítima é obrigada a responder perguntas óbvias que ferem seu direito de sofrer reservadamente. Seria ético este tipo de abordagem, mesmo sendo feita através da obviedade, ou o respeito ao que o entrevistado está passando deveria falar mais alto no momento da produção do telejornal?

Todo mundo sabe que notícia hoje em dia virou um tipo de mercadoria, que passou a ser produzida e comercializada por todos os meios de comunicação. É fato que, de acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, a sociedade tem o direito de receber informações completamente verídicas, mas a rede televisiva claramente dá uma maquiada na verdade para deixá-la mais atraente. Um bom exemplo disso é o conhecido caso da Isabella Nardoni, menina que supostamente foi jogada da janela pelo seu próprio pai e pela madrasta. Desde o início da cobertura jornalística do caso, a maior emissora do Brasil, a rede Globo, fez questão de noticiar qualquer novidade do ocorrido sem se importar com a vida perdida, com o sofrimento da família, mas sim com o caso, incitando o julgamento do telespectador a todo o momento. Ficou muito bem indicada a posição da emissora como a favor de Ana Carolina Cunha de Oliveira, mãe da menina.

O ápice da “manipulação” do público aconteceu no programa “Fantástico” exibido no dia das mães do ano passado, 11/05/2008, em que, um mês após a morte de sua filha, Ana Carolina concedeu sua primeira entrevista sobre o ocorrido à Patrícia Poeta, âncora do jornal. Só pelo fato de ter ido ao ar exatamente neste dia, a emissora já conseguiu fazer com que a entrevista causasse maior impacto em quem estava assistindo. Além disso, as dezenas de chamadas feitas durante o programa inteiro prenderam ainda mais o público que já estava extremamente interessado em ver o sofrimento alheio, sentimento este que cada vez mais tem chamado a atenção das pessoas atualmente. Não só a jornalista teve grande parte na demonstração da enorme dor que uma mãe que perdeu sua filha sentia ao fazer perguntas como “Que boas lembranças você guarda dela?”, como toda a produção de imagem montou um esquema de cortes de câmera e ângulos de filmagem para dar ênfase a tal sentimento. Os zooms no rosto de Ana Carolina sempre que uma lágrima caia em seu rosto, o foco na camiseta com o nome Isabella, tudo parece que foi minimamente planejado para atrair o público.

Com isso, a moça de apenas 24 anos deixou de ser um fim, um ser dotado de razão, capaz de tomar suas decisões livremente e passou a ser um meio, um mero instrumento para atrair mais ibope para um programa televisivo que, de um modo geral, vem perdendo a audiência que tinha. Tal atitude da emissora faz com que a divulgação da entrevista, de acordo com Kant, seja antiética e desrespeitosa. Está certo que o próprio “Fantástico” seguiu o Código de Ética ao mostrar a entrevista sem censuras, com todos os fatos verídicos e ainda evidenciando os dois lados envolvidos, tanto o da mãe, quanto o do pai e da madrasta. Porém, a falta de tato e a exploração das emoções de Ana Carolina não podem ser consideradas como atitudes éticas, uma vez que não se deve expor ninguém deste modo e que o direito à privacidade deve ser respeitado sempre. A entrevistada concedeu a palavra, mas é necessário levar em conta que toda a sociedade que não tinha participação no ocorrido e nem a mínima noção do sofrimento de Ana Carolina estava julgando-a como fria e pressionando-a por não ter satisfeito o ideal que a mídia criou e não ter se submetido a chorar em frente das câmeras.

Rafaella Finci

Nenhum comentário:

Postar um comentário