terça-feira, 23 de junho de 2009

lembrança ética

O ser humano se sente estranhamente atraído pela morte. Qualquer acidente no meio da rua é motivo para aglomeração de curiosos, e quando uma morte trágica acontece, todos os holofotes se voltam para o caso. É triste ver a maneira com que a vida é tratada. Exemplo disso é o acidente com o Boeing A 330 da Air France, “prato cheio” para a imprensa. Uma pesquisa feita pelo IG perguntou a opinião dos visitantes do site Observatório da Imprensa sobre a cobertura que estava sendo feita sobre o acidente do vôo AF 447, dos 799 votos computados até dia 22 de junho, 74% avaliaram- na como sensacionalista. Lendo as reportagens sobre o acidente vi, em meio às tentativas de explicações de como poderia ter acontecido o acidente, rostos de pessoas felizes, com histórias comoventes, infelizmente, todos os rostos eram de pessoas que estavam a bordo do vôo AF 447. De fato, aquelas histórias mexeram comigo. Fiquei pensando na família daquelas pessoas e naquelas coisas que sempre vem à mente quando nos vemos diante de catástrofes como essas... a fugacidade da vida, a importância de darmos valor a quem amamos. Contudo, o que me deixou mais triste foram as manchetes que li sobre o acidente em alguns blogs, que falavam no “vôo da morte” e revistas e programas da tarde explorando a vida das famílias daqueles que morreram e até a dos mortos, a coisa mais comum foram expressões como: “juntos até o fim”, “uma família inteira a bordo”, “o fim dos sonhos”. Ficar explorando a vida dessas pessoas que já se foram e o sofrimento de suas famílias, além de ser de muito mau gosto e desrespeitoso, se mostra antiético de acordo com o código de ética dos jornalistas:
Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações:
II - de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes;
Eugenio Bucci, no dia 5/6/09, publicou no site Observatório da Imprensa uma matéria sobre o acidente. Ele apontou a notícia como a morada final dos mortos no acidente. Segundo ele: “A notícia sobre eles cumpriria uma função não declarada de consolar os que sobrevivem, atônitos. Sem o jornalismo nós talvez não tivéssemos como recobrir com palavras o vazio deixado pelos desaparecidos, e sem essas palavras não teríamos como superar a perda. Nessas ocasiões, as notícias seriam, então, o ritual que nos resta.” Sendo a notícia uma homenagem final àqueles de que não poderão ter uma despedida “real”, o mínimo que se pode fazer é respeitar a vida, as famílias dos mortos, e o código de ética do jornalismo, ao menos uma vez, e não fazer da morte mais um instrumento do capitalismo para alcançar o lucro.

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